Essa pequena bolinha vermelha que do nada apareceu no olho do seu filhote se chama oficialmente Glândula de Harder.
Os cães possuem três pálpebras, a superior, a inferior (que estão ligadas) e a terceira também chamada de Membrana Nictante ou Pálpebra Nictitante.
Essa membrana, ausente em nós humanos, tem como principal função a proteção imunológica e também mecânica dos olhos, agindo como se fosse o para-brisa de um carro e o seu respectivo limpador, evitando danos provocados por agressões externas ou corpos estranhos. Ela é aquele tecido cartilaginoso de cor rósea ou por vezes pigmentado que se localiza entre a pálpebra inferior e o bulbo do olho.
O funcionamento da Membrana Nictante é muito interessante de ser observado, pois, diante de qualquer perigo em potencial, ela se fecha rapidamente, literalmente em um piscar e olhos, criando uma barreira de proteção.
Não é à toa que a origem da palavra nictante ou nictitante remete à pestenejante, pois essa membrana é super reativa e não hesita em se fechar.
E é dentro da nossa amiga pestanejante que se localiza a cereja do nosso tema, o “cherry eye”.
Essa cerejinha nada mais é do que uma glândula sebácea localizada no canto interno do olho e que excreta um fluido cuja função é facilitar o rápido movimento da terceira pálpebra, contribuindo com um percentual considerável da porção aquosa da lágrima.
Ela ficará visível ao se projetar (prolapso da glândula da terceira pálpebra) sobre a borda livre da membrana nictante. Essa aparição está associada à fraqueza do tecido conjuntivo e é por esse motivo que temos uma maior incidência de casos em cães filhotes e jovens (menos de um ano de idade), sendo raro o aparecimento em adultos.
Apesar de algumas raças de cães possuírem uma maior predisposição (pela ordem de incidência: beagle, lhasa apso, shar pei, poodle, cocker spaniel inglês, fila brasileiro, bulldog inglês, bulldog francês, basset hound), o “olho de cereja” tem uma alta incidência também em cães SRD.
Aqui abro um parêntese e faço algumas observações sobre o “olho de cereja”, embasadas em mais de 20 anos de criação da raça Bulldog Inglês. Deixo claro que o objetivo aqui é apenas agregar informação, contribuindo um pouco com a prática e vivência do canil, sendo sempre do Médico Veterinário a palavra final.
O “cherry eye” geralmente ocorre em filhotes até os 6 meses de idade. Também existe uma maior incidência em apenas um dos olhos, porém, por precaução, recomenda-se aguardar por alguns dias para assim descartar a ocorrência bilateral e a realização de um segundo procedimento cirúrgico.
São comuns aqueles casos em que a glândula dá apenas uma “escapulida”, aparecendo porém sem estar “madura”, ou seja, sem edema ou vermelhidão. Nesses casos, depois de botar fogo no parquinho, o filhote aparece com a glândula exposta e, depois de um cochilo, ela simplesmente desaparece.
Também nessas situações é possível tentar uma manobra de recolocação manual da glândula, empurrando-a com o dedo indicador posicionado em cima da pálpebra. O movimento deve ser feito para dentro e na direção do canto do olho, segurando a pálpebra nessa posição por alguns segundos. Quanto menos inflamada estiver a glândula, maiores são as chances de sua recolocação manual.
Depois que a glândula está edemaciada e irritada (vermelha) não existe tratamento ou medicação capaz de resolver e o procedimento cirúrgico será a única maneira de corrigir o problema.
O calor associado a atividade física intensa são fatores presentes na grande maioria dos casos. Filhotes que se desenvolvem em épocas de clima ameno, por exemplo, possuem uma menor chance de prolapso da glândula.
Existe também um fator genético por trás de uma grande parcela dos casos de “olho de cereja”, muito embora não seja esse o único fator preponderante. Mas se você é criador e pretende diminuir ou até mesmo zerar a incidência de casos na criação, a minha recomendação é retirar da reprodução cães que apresentem tal problema.
Muito embora o preconizado seja o reposicionamento da glândula, ao invés da sua retirada, algumas considerações praticas precisam ser feitas.
Na minha experiência não consegui fazer o link entre a retirada da glândula e o aparecimento de problemas oculares decorrentes.
De outro lado, quando se optou pelo sepultamento/recolocação da glândula se teve como consequência adversa uma maior irritação no local causada pela sutura, um maior tempo de tratamento e do uso do colar elizabetano. Nesses casos se verificou também uma maior vontade do cão em coçar o olho operado e um aumento no risco de acidentes com retirada da proteção pelo agoniado dog.
Não menos importante, são aquelas situações em que, mesmo realizada e recolocação, a glândula pode reaparecer, seja por imperícia médica ou naqueles casos em que o cão consegue retirar o colar de proteção e esfregar o olho. Também nessa situação, além do ressurgimento da glândula poderá ocorrer uma lesão de córnea. A necessidade de um segundo procedimento cirúrgico e os riscos decorrentes, deve ser devidamente levada em consideração quando da escolha do procedimento a ser adotado.
Não deixe de realizar o procedimento cirúrgico, pois, muito embora o surgimento da “cereja” seja indolor, a sua manutenção oferece riscos à saúde ocular do cão. E, em se tratando de cães braquicéfalos, é muito importante que o veterinário faça uso de anestesia inalatória, evitando com isso o risco complicações operatórias e até mesmo óbito.